Ao mestre, com afeto
Luciano Lopes
Montes Claros, norte de Minas Gerais, 9h
da manhã de uma quarta-feira de sol. Éramos eu e mais sete universitários do
curso de Jornalismo, do quinto ao sétimo períodos, esperando o início do
processo seletivo para uma vaga de estágio em uma das cinco maiores empresas de
saúde animal do planeta. Sentado em um banco acolchoado na entrada do
auditório, esperava ansioso. E lembrava dos meus últimos sete dias frente
àquele que poderia ser o meu primeiro ingresso profissional no mundo da
comunicação.
Soube da vaga por meio de um anúncio
fixado no mural de informações do campus da faculdade. Logo fiz a inscrição e
iniciei uma maratona de pesquisa sobre a empresa. Para isso, adiantei todos os
meus trabalhos a serem entregues no período em que o processo seletivo seria
realizado.
Acessei o site da instituição para saber
mais sobre a sua história, produtos e conquistas. Li dezenas de notícias e
matérias na imprensa, incluindo entrevistas do presidente e de seus diretores.
Uma coisa me chamou mais a atenção: a relação da empresa com a comunidade. Essa
interação forte só era possível por conta do olhar sensível do então presidente
à causa social. Esse olhar também se estendia, primordialmente, aos
colaboradores.
Fomos recebidos pela equipe de Recursos
Humanos e pelo assessor de Comunicação da presidência, o jornalista Nestor
Sant’Anna. Atencioso com todos, foi ele quem conduziu todo o processo seletivo
e escolheria o estagiário para compor o que seria a primeira turma da
assessoria de comunicação da empresa. Antigamente, esses trabalhos eram
centrados na Gerência de Marketing, que fica na capital paulista.
Nestor Sant'Anna
Após assistir ao vídeo institucional, cada
um dos candidatos se apresentou e desfilou seus expoentes curriculares. Tive de
vencer minha timidez para sobressair àquele mise-en-scène
dos concorrentes. Falar bem de si mesmo pode ser fácil, mas a prática pode ser
implacável em mostrar o contrário. Como meus pais me ensinaram, nesses
momentos, uma colher de humildade, discrição e, principalmente, de verdade, não
faz mal a ninguém.
Sob os olhares da gerente de Recursos
Humanos e do Nestor, escolhi continuar com os pés no chão: disse que estava no
quinto período do curso de jornalismo, que era um leitor voraz, gostava de
escrever e tinha sede de aprender mais. Fora isso, tinha experiência zero com
Comunicação. Estava desempregado há três meses e meu emprego anterior era de
secretário administrativo em uma associação de empregados de uma grande
empresa. E que, mesmo me preocupando em fazer o melhor que podia lá, eu não era
feliz.
O silêncio que se fez na sequência me fez
pensar que eu havia acabado de perder aquela oportunidade de trabalho. Mas o
destino me reservava uma grata surpresa. Logo após a “entrevista coletiva”, nos
posicionamos nas cadeiras do auditório para escrever um texto sobre o tema que
logo nos foi revelado: “A relação entre a empresa e a comunidade”. Exatamente o
assunto que havia me dedicado a estudar na última semana. Em 20 minutos,
entreguei meu texto e saí. Eram quase 11h da manhã.
Fui para casa, almocei e me preparava para
retomar os estudos da faculdade quando, pouco depois das 14h, recebo um
telefonema do próprio Nestor informando que eu havia sido selecionado para a
vaga do estágio. Na segunda-feira seguinte, às 13h, comecei a trabalhar na
empresa.
Foi lá que aprendi tudo sobre assessoria
de imprensa, organização de eventos, produção editorial, revisão de texto,
relacionamento com clientes, stakeholders, colaboradores, imprensa. Foi lá que
tive contato com projetos sociais que me permitiram ver o próximo de outra
forma. Foi lá que deixei de ser um jovem sonhador para ser um comunicador de
verdade. E isso não teria acontecido se o Nestor não tivesse cruzado o meu
sertão.
Nascido Nestor Coelho de Sant’Anna em
Teófilo Otoni, Vale do Mucuri, ele sempre foi um homem inteligente e elegante,
na vida e na profissão. Sabe a hora certa de falar o que precisava ser ouvido.
E faz isso com classe, seriedade e, quando o momento pede, bom humor.
Ele jamais chamou a minha atenção na
frente de outras pessoas. Nas poucas vezes em que fiz algo que merecia mais
dedicação – talvez por conta da pouca experiência profissional –, ele me pedia
reflexão. “Avalie os acontecimentos, levante possíveis soluções, teste sem medo
e atente-se aos detalhes”, dizia. Este era o caminho para entregar o melhor.
Foi com Nestor que aprendi que, em uma
empresa, gente é ponte. E o outro lado da travessia é o trabalho bem feito.
Também me aconselhou que local de trabalho não é mesa de bar. Basta uma frase
sobre sua vida pessoal e você estará para sempre na boca de todos. Toda
revelação tem um preço, e o que as pessoas cobram é que continue alimentando-as
sobre os vales escuros ou iluminados do interior de si. A plateia, viciada no
espetáculo alheio, quer mais e mais. E não mede esforços em aplaudir ou vaiar –
na mesma ou em maior intensidade.
Foi Nestor que trouxe minha atenção para a
música popular brasileira e, principalmente, a de Montes Claros, minha terra
natal. Descobri que a minha cidade era uma fonte inesgotável de cultura e arte
e abracei tudo isso. Entre congados, religiosidades e bandeiras, entre o arroz
com pequi e a carne de sol, a música regional e a literatura, havia a memória,
a história e a tradição do povo de antes.
“Menos Michael Jacksons e Madonnas”, dizia
Nestor. E mais Minas, Darcy Ribeiro, Mestre João, Trem Brasil. Mais Babaya,
Anthonio, Tabajara Belo, Milton Nascimento. Mais Hermes de Paula e Yvonne
Silveira, dois grandes historiadores de Montes Claros. E eu, mais mineiro e
brasileiro do que nunca, fui além dos conselhos do Nestor: surfei entre
Bethânias e Gilbertos, Drummonds e Guimarães Rosas. E, assim, fui renovando
minhas veredas interiores.
Nestor me apresentou uma Minas Gerais que
eu não conhecia, um Brasil que me esperava ao som das Bachianas nº 3 de Villa
Lobos. E eu agradeço a generosidade em me indicar esse bom caminho. Essa é uma
grande sensibilidade que ele tem: Nestor não mede esforços em ajudar alguém
quando identifica nele algum potencial. Ele me apontou a direção e eu descobri
que, no meu sertão, o limite era o mundo.
Como na primeira vez em que embarquei no
trem da comunicação, pelas mãos do Nestor, agora é por ele que faço essa
homenagem em comemoração aos seus 75 anos. Que você, caro mestre, busque a
serenidade todos os dias, no exercício da simplicidade e do afeto, da humildade
e da fé, assim como você ensinou a todos nós. E saiba que desse seu eterno
pupilo e estagiário (que lhe é muito grato), guardarei sempre a gentileza de me
mostrar que a “coragem sempre vence as pedras desafiadoras da criatividade e da
competência”.
Você, nesse seu ninho afetivo de
acolhimento, histórias, vivências e pensamentos, nos trouxe reflexões,
desafios, sorrisos cadenciados, evolução. Ensinou-nos que, antes de vencer o
mundo, temos de derrubar os inimigos que existem dentro de nós. Que ética e
caráter não são produtos à venda. E que a vida, como uma canção que ternamente
nos embala, não pode parar.