Certa vez eu
estava no cabeleireiro e, enquanto meu cabelo era cortado, ouvi a conversa de um homem dando uma receita de um medicamento
natural, a uma pessoa que ali estava. Não me recordo para
que servia aquele medicamento, mas me
chamou atenção a sua explicação sobre o
que acontecia enquanto se produzia o remédio. Ele dizia que era uma substância vinda das lágrimas da cabaça e explicava como fazer.
Deveria se cortar uma cabaça verde, ao
meio, formando uma espécie de duas cuias
e em seguida levar uma das partes ao forno, ou colocá-la em cima de brasas. Ele
dizia que enquanto o fogo aquece,
a cabaça começa a chorar e então se deve recolher aquelas
lágrimas, pois elas são um
excelente medicamento. Pena que não me recordo quais doenças o medicamento
curava. Mas, me chamou a atenção o jeito poético do homem referindo-se ao choro silencioso produzindo as lágrimas da
cabaça, a qual ao ser colocada no fogo
sentia dor e começava a lacrimejar. Suas
lágrimas se tornavam o remédio vindo do sofrimento.
Pensei no
choro de tantas árvores violentadas na natureza que derramam lágrimas e nem
sempre essas são notadas. O instrumento cortante impiedosamente é acionado
arrancando pedaços da “carne” das árvores. Suas “veias” são partidas e a vida
se esvai.
Pensei nas
lágrimas, chamadas orvalho, que na madrugada são derramadas sobre a relva.
Talvez seja o choro da natureza pelos sofrimentos vividos durante o dia. Parece
que à noite a dor dói mais e os gritos sofridos
se perdem na escuridão. Nos hospitais, à noite, se ouvem mais gemidos de dor do que durante o dia.
Pensei nos
inúmeros cortes existenciais na vida de todas as pessoas que faz lágrimas
brotarem e essas são como remédios que
escorrem pelo rosto trazendo alívio para dor.
O choro se torna uma espécie de bálsamo natural em cada ser vivo.
O choro faz
parte da vida. Normalmente nascemos chorando, mas nem sempre morremos chorando.
Existem relatos de pessoas que morreram sorrindo. Muitas vezes o choro é solitário, mas o choro chorado
junto de uma outra pessoa tem uma força maior. É sempre bom quando encontramos
a solidariedade de alguém que chora conosco. Lembro-me quando meu pai
faleceu. Eu acompanhei a sua agonia e
sua morte, no hospital. Fui eu quem deu a notícia aos meus irmãos e tomei as primeiras providências
para o seu sepultamento. Depois que se iniciou velório eu ali permanecia ao
lado do seu corpo, mas até então nenhuma
lágrima tinha vindo. Eu estava meio
anestesiado, vivendo o espanto da morte. Um pouco mais tarde chegou um
sacerdote amigo, o qual esteve ali por um tempo, e quando ele foi se
despedir eu quis lhe agradecer a
presença e naquela hora minha voz embargou e um choro estava começando,
mas ele saiu imediatamente. Ele não
quis parar para ver e sentir o meu choro. Como me fez falta aquela parada de um
irmão amigo, para me ver chorar. Eu era como uma cabaça partida colocada sobre
a brasa e minhas lágrimas estavam começando a escorrer, devido a minha dor
interior. Aquela era uma hora em que eu precisava chorar e seria muito bom que
alguém chorasse comigo, ou pelo menos sentisse as minhas lágrimas. É preciso
aprender a chorar junto. São muitas pessoas carentes de choro. Nós Bispos temos
muitos motivos para chorar, mas parece que temos vergonha e precisamos
demonstrar firmeza e viver como se não
tivéssemos sentimentos. Isso nos faz mal.
A natureza tem suas alegrias e seus lamentos.
Quando uma dor grande toma conta de uma pessoa, parece que a natureza sofre
junto. É como na paixão de Jesus: “Houve treva em toda terra” (Mt 27,45). Há
uma integração dos elementos da natureza. “Tudo está interligado”.
Quantas vezes
não queremos, mas temos que chorar juntos devido a nossa missão. Lembremos o
exemplo da cebola. Ela chora quando é cortada e normalmente choramos juntos com
ela, mas nem por isso deixamos de
cortá-la. Existem aquelas situações difíceis em que temos que fazer um
corte, sabemos que a pessoa está
sofrendo, até choramos juntos, mas o
corte é necessário. Temos que fazê-lo. São especialmente aquelas vezes em que
temos que dizer não, quando gostaríamos de dizer sim.
Fico pensando
como aquele naturalista, que ensinava o medicamento com as lágrimas da cabaça,
despertou-me a atenção para tantos outros ensinamentos e remédios que ele nem
se quer imaginava que estava ajudando a descobrir. Aprendi que o choro da cabaça é medicinal.
O choro de
Jesus foi medicinal para Marta e Maria sufocadas com a morte de Lázaro. Não foi um choro de
desespero, mas de solidariedade que iluminou a realidade com o dom da fé. “Eu
sou a ressurreição. Quem crê em mim, ainda que morra, viverá. E quem vive e crê
em mim jamais morrerá. Crês nisso?” Disse ela: “Sim Senhor, eu creio que tu és
o Cristo, o Filho de Deus, que vem ao mundo” (Jo 11, 24-27).
Neste tempo
da Pandemia do Coronavírus muitas pessoas estão precisando de um ombro amigo
para apoiar e poder compartilhar suas lágrimas. Uma tristeza está encobrindo a
terra. A solidariedade pode trazer alívio e esperança neste momento de dor.
Como a parte da cabaça colocada sobre as brasas assim se encontra a humanidade.
Deus nos dá o dom de chorar juntos, nos consolar e nos curar com as lágrimas.
Nossa esperança é que as lágrimas da dor se transformem em lágrimas da alegria.
Também o choro da alegria quando chorado junto ganha mais vida. Neste tempo de
Pandemia tenhamos a certeza que Deus está chorando conosco e “Ele é a luz que
está não no fim, mas no meio do túnel” (Carlos Mesters). Deus não entra em desespero, mas nos ajuda a
transformar nosso desespero em esperança. Tudo vai passar e a vitória vai
chegar. Para alcançar a vitória se faz necessário dizer alguns nãos. É
necessário fazer cortes que geram dor, fazer renúncias que distanciam, mas tudo seja feito para o bem, não apenas nosso,
mas de todos. Já podemos sentir os sinais do amanhã. As crianças vêm ao mundo
no meio da dor da mãe parturiente, mas sempre trazem alegria. Deus nos prepara
para muitas alegrias.
Dom
Messias dos Reis Silveira
Bispo
de Teófilo Otoni